Felicidade com F maiúsculo
Por Alice Vieira
A Assembleia Geral das Nações Unidas decretou que o dia 20 de Março é o Dia Internacional da Felicidade. Ainda pensei que era por ser o dia dos meus anos, até já me preparava para lhes mandar um lindo postalito aqui da Ericeira a agradecer — mas não, infelizmente eu não tinha nada a ver com isso.
Ao que parece, a ideia partiu do minúsculo reino budista do Butão (naquele fim do mundo dos Himalaias) que, em vez do PIB (Produto Interno Bruto) adopta como estatística oficial a “Felicidade Nacional Bruta” (Isto em português soa um bocado mal, espero que em butanês, ou lá na língua que se fala no Butão, soe melhor).
Neste mundo com tanta tragédia, é bom haver um dia consagrado à Felicidade. Com F. Bem maiúsculo.
No dia 20 de Março, como todos sabemos, acaba o inverno, o que significa também que a Felicidade fica ligada à Primavera e, como o meu querido amigo Cardeal Tolentino Mendonça me está sempre a dizer, “ todos somos feitos para a Primavera”.
No entanto deixem-me também dizer que não me agradava muito uma felicidade como a que se vive no Butão. O Butão é um país minúsculo onde se é feliz por obrigação, porque não se pode ser outra coisa.
E é isso que me apavora.
O bem e o mal têm de coexistir, a alegria e a tristeza, as dúvidas e as certezas. Que mérito terá a minha realização pessoal e profissional se não tenho de passar dificuldades para chegar até ela? Como posso discutir ideias se não há nada para discutir?
Como podíamos desejar tanto a primavera se não houvesse inverno?
É muito bom que haja um dia no ano para se questionar a nossa felicidade — mas aflige-me muito a felicidade por decreto.
Por isso, em vez de emigrar para a felicidade permanente do Butão prefiro continuar nesta nossa terrível, insuportável, perigosa, complicada terra onde, para se ser feliz, é preciso lutar pela felicidade.
Para que ela chegue. A sério.
Com F.
Bem maiúsculo.
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira